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Errâncias Urbanas - a arte de andar pelas cidades

JACQUES, Paola Berenstein. Errâncias Urbanas - a arte de andar pelas cidades. In: ARQTEXTO 7, Rio Grande do Sul, n.7, p. 16-25, 1º semestre de 2005. Disponível AQUI

Kelly Wendt
Conforme define Paola Jacques Berestein, errância urbana seriam gestos de participação, experiência efetiva e vivência dos espaços urbanos, segundo uma relação mais consciente entre o corpo físico do cidadão e o corpo urbano, num ato de apreensão da cidade. (p.19-20)
Determinadas atuações são protagonizadas pelos errantes modernos ou nômades urbanos – dentre eles diversos artistas, escritores e pensadores enquanto praticantes. As suas obras apreendiam os espaços urbanos de outra forma, a partir de questionamento crítico da construção dos mesmos. “O simples ato de andar pela cidade pode assim se tornar uma crítica ao urbanismo enquanto disciplina prática de intervenção nas cidades. Essa crítica pode ser vista tanto nos textos quanto nas imagens produzidas por artistas errantes a partir de suas experiências do andar pela cidade.” (p.20)
“O urbanismo enquanto campo disciplinar e prática profissional surge exatamente com o intuito de transformar as antigas cidades em metrópoles modernas, o que significava também transformar as antigas ruas de pedestres em grandes vias de circulação para automóveis, reduzindo as possibilidades da experiência física direta, através do andar das cidades.” (p.21) Esse processo de surgimento e estabelecimento correspondeu a três momentos distintos, paralelos às três fases no histórico de errâncias urbanas.
Entre os séculos XX e XXI, quando criticava-se a primeira fase de modernização das cidades, acontecia o período de flanâncias; nos anos 1910 a 1930, período das vanguardas modernas, ocorriam as deambulações, numa crítica às ideias urbanísticas do início dos CIAMs (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna); já as derivas, surgiram nas décadas de 1950 e 1960, criticando “[...] tanto os pressupostos básicos dos CIAMs quanto a sua vulgarização no pós-guerra, o modernismo.” (p.21)
O momento da flanância – investigação do espaço urbano – correspondia principalmente à criação da figura do Flâneur por Baudelaire em “As flores do mal”; Walter Benjamin, nos anos 1930, analisando a obra citada, também foi adepto da “flânerie”. No momento posterior, as deambulações eram figuradas pelos dadaístas e surrealistas, os quais realizavam excursões urbanas por lugares banais – deambulações aleatórias organizadas por Aragon, Breton, Picabia e Tzara, entre outros. Em terceiro momento, as derivas, “[...] corresponderia ao pensamento urbano dos situacionistas, uma crítica radical ao urbanismo, que também desenvolveu a noção de deriva urbana, da errância voluntária pelas ruas, principalmente nos textos e ações de Debord, Vaneiguem, Jorn e Constant.” (p.22)
Já no contexto contemporâneo, inúmero artistas têm trabalhado no espaço público, munidos de críticas e questionamentos. Fato comum entres eles consiste no entendimento da cidade enquanto “[...] campo de investigações artísticas aberto a outras possibilidades sensitivas, e assim, possibilitam outras maneiras de se analisar e estudar o espaço urbano através de suas obras ou experiências.” (p.22)
No Brasil, artistas do modernismo e tropicalistas usufruíram das errâncias urbanas. Dentre eles Flávio de Carvalho, com a realização das “Experiências”; Hélio Oiticica, influenciado pelas leituras do teórico Guy Deborad; o cronista João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto), influenciado por Baudelaire, também elege a rua enquanto lugar de investigação, em seu texto “A Rua” há o seguinte excerto: “Eu amo a rua […] Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhes as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar.” (p.21)

As investigações de errâncias apontaram para a possibilidade do “urbanismo poético”; buscava-se, numa visão de Oiticica, o “poetizar do urbano”. Em suma, reivindica-se ainda hoje o caráter humano e corpóreo dos espaços urbanos, paulatinamente violado por fenômenos do urbanismo moderno. “Os urbanistas teriam esquecido, diante de tantas preocupações funcionais e formais, deste enorme potencial poético do urbano e, principalmente, da relação inevitável entre o corpo físico e o corpo da cidade que se dá através do andar, através da própria experiência física – corporal, sensorial – do espaço urbano, algo tão simples, porém imprescindível, para todos os amantes de cidades e, principalmente, para os arquitetos-urbanistas. [...] Nosso corpo físico e o corpo da cidade, e as suas respectivas carnes, se encontram, se tateiam e se atritam nos espaços públicos urbanos.” (p.24)

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