REZENDE, Renato; MACIEL, Katia. Poesia e videoarte. Rio de Janeiro: Editora Circuito: FUNARTE,
2013. 160 p.
O livro trata do
cruzamento entre poesia e videoarte (históricos e reflexões em torno desse
assunto) e traz também uma série de entrevistas com artistas contemporâneos da
referida área. Nos primeiros tópicos os autores introduzem a abordagem
apresentando alguns precedentes desse cruzamento de linguagens e conteúdos.
Após a Segunda
Guerra, houve o surgimento das “novas vanguardas” as quais retomaram ações das
vanguardas europeias e provocaram questões como a integração entre
artistas/obra/público. Fervia nesse período questionamentos em torno do
conceito de arte, sua fruição e função social. “Muitos artistas, insatisfeitos
com a ideia de arte autônoma, isolada na tela ou no atelier, passaram a levar
seus trabalhos e ideias para as ruas, interferindo na paisagem e na cena
urbana, procurando interagir com o grande público e disseminar suas obras em
larga escala. Ressurgiu então o termo ‘arte total’ [...].” (p.7-8)
No
contexto brasileiro, retomadas da antropofagia modernista influenciaram a
Poesia Concreta, o Neoconcretismo (protagonizados por Augusto e Haroldo de
Campo, Décio Pignatari e Ferreira Gullar) e o Tropicalismo. Nos dois primeiros
movimentos, respectivamente, a premissa era a visualidade da palavra e a
relação entre arte e vida; já o último explorava o hibridismo entre poesia,
música e arte.
O
fim do Modernismo no Brasil culminou na experimentação de novos suportes e
formas para a poesia: poesia sonora, vídeo poesia, poesia visual, computer poetry, poesia digital, etc.
“O
segundo e independente ataque à especificidade do meio se dá com o advento da
câmera de vídeo portátil (portapak)
[...].” (p.19) Ocorre então por volta de 1970 o surgimento do videoarte,
assomando no quadro de esgarçamento de fronteiras artísticas, provocando
diálogos entre as mídias e ricas contaminações.
Katia
Maciel e Renato Rezende abordam a poesia contemplando um comentário do pensador
baiano Antonio Risério. O mesmo diz que “A poesia é a arte da palavra também no
sentido de que é, à sua maneira, arte da insatisfação humana diante dos limites
da linguagem. À falta de expressão melhor, pode-se chamar ‘texto intersemiótico’
o poema que não se contenta com a permanência nos domínios incontestáveis da
semiótica verbal. Ao apelar para outros códigos, ele se situa numa zona de
fronteira”. (p.22)
Nesse
sentido, o fazer poético, o poema (objeto) e a poesia (essência), estariam
aptos a se expressarem também através de outros canais. Tal ideia confirma-se
na citação de Adalberto Müller: “não se trata mais de perguntar o que é a
poesia, mas sim onde ela está. Nesse campo ampliado – ou fissura aberta – o
poema – como objeto de linguagem, mas não obrigatoriamente linguagem verbal –
desloca-se dos seus suportes tradicionais [...].” (p.27)
Assim,
a poesia e o videoarte se fundem em trabalhos pluralistas que surgem da
experimentação com vídeo e poesia sonora, a partir da gravação de leituras e
performances, para citar apenas exemplo. Poetas brasileiros contemporâneos têm
produzido vídeos que se inserem ao mesmo tempo na categoria das artes visuais e
também poderiam ser interpretados enquanto poemas. (p. 30)
Alguns
exemplos de artistas/obras citados no texto são: Andre Sheik (Eu sou mais do
que aparento), Laura Erber (História antiga), Renato Rezende (Ímpar;
Tango), Domingos Guimaraens (Gema) e o próprio Ricardo Domeneck (Garganta
com texto). Entre os segundos, Laercio Redondo (Eu não te amo mais),
Brigida Baltar (Quando fui carpa e quase virei dragão; Algumas
Perguntas), Rivane Neuenschwander (Sopro), Cao Guimaraes (Da
janela do meu quarto), Tunga (Medula; Quimera), Katia Maciel
(Meio cheio, meio vazio), Andre Parente (Estereoscopia) e Helena
Trindade (A carta roubada).
O
texto destaca um importante aspecto de aproximação entre o videoarte e a
poesia: trata-se do pensamento/filosofia, pois ambas as linguagens sustentam-se
por um forte caráter conceitual. “[...]
a poesia se renova no Modernismo apostando todas suas fichas no pensamento e/ou
no poema que discorre sobre si mesmo ou seu meio (a linguagem).” (p.34) Assim é
o videoarte (conceitual e metalinguístico) e é nesse mesmo contexto que surge,
provocando potencialização de discursos artísticos (1970 também é o período de
surgimento da Poesia Marginal com seu forte cunho contracultural,
anedótico e anti-intelectual).
Em
décadas posteriores, “[...] novos poetas de extração concretista, como Arnaldo
Antunes e André Vallias, além dos próprios Campos, desenvolveram uma série de
poemas visuais e vídeo poesias em computador, buscando sempre uma isomorfia
entre palavra e imagem.” (p.40)
Por
fim, destaco mais um trecho do texto de Renato Rezende e Katia Maciel: “Mais
distanciada da tradição concretista, a videoarte parece ser capaz de resgatar a
poesia – em um campo ampliado – de uma forma mais contemporânea, eliminando
preceitos e dogmas (como o isomofirsmo) que ainda encarceram a poesia
intersemiótica produzida a partir do
campo da palavra.” (p.47)