12.12.14

Poesia e videoarte

REZENDE, Renato; MACIEL, Katia. Poesia e videoarte. Rio de Janeiro: Editora Circuito: FUNARTE, 2013. 160 p.
O livro trata do cruzamento entre poesia e videoarte (históricos e reflexões em torno desse assunto) e traz também uma série de entrevistas com artistas contemporâneos da referida área. Nos primeiros tópicos os autores introduzem a abordagem apresentando alguns precedentes desse cruzamento de linguagens e conteúdos.

Após a Segunda Guerra, houve o surgimento das “novas vanguardas” as quais retomaram ações das vanguardas europeias e provocaram questões como a integração entre artistas/obra/público. Fervia nesse período questionamentos em torno do conceito de arte, sua fruição e função social. “Muitos artistas, insatisfeitos com a ideia de arte autônoma, isolada na tela ou no atelier, passaram a levar seus trabalhos e ideias para as ruas, interferindo na paisagem e na cena urbana, procurando interagir com o grande público e disseminar suas obras em larga escala. Ressurgiu então o termo ‘arte total’ [...].” (p.7-8)

No contexto brasileiro, retomadas da antropofagia modernista influenciaram a Poesia Concreta, o Neoconcretismo (protagonizados por Augusto e Haroldo de Campo, Décio Pignatari e Ferreira Gullar) e o Tropicalismo. Nos dois primeiros movimentos, respectivamente, a premissa era a visualidade da palavra e a relação entre arte e vida; já o último explorava o hibridismo entre poesia, música e arte.

O fim do Modernismo no Brasil culminou na experimentação de novos suportes e formas para a poesia: poesia sonora, vídeo poesia, poesia visual, computer poetry, poesia digital, etc.

“O segundo e independente ataque à especificidade do meio se dá com o advento da câmera de vídeo portátil (portapak) [...].” (p.19) Ocorre então por volta de 1970 o surgimento do videoarte, assomando no quadro de esgarçamento de fronteiras artísticas, provocando diálogos entre as mídias e ricas contaminações.

Katia Maciel e Renato Rezende abordam a poesia contemplando um comentário do pensador baiano Antonio Risério. O mesmo diz que “A poesia é a arte da palavra também no sentido de que é, à sua maneira, arte da insatisfação humana diante dos limites da linguagem. À falta de expressão melhor, pode-se chamar ‘texto intersemiótico’ o poema que não se contenta com a permanência nos domínios incontestáveis da semiótica verbal. Ao apelar para outros códigos, ele se situa numa zona de fronteira”. (p.22)

Nesse sentido, o fazer poético, o poema (objeto) e a poesia (essência), estariam aptos a se expressarem também através de outros canais. Tal ideia confirma-se na citação de Adalberto Müller: “não se trata mais de perguntar o que é a poesia, mas sim onde ela está. Nesse campo ampliado – ou fissura aberta – o poema – como objeto de linguagem, mas não obrigatoriamente linguagem verbal – desloca-se dos seus suportes tradicionais [...].” (p.27)

Assim, a poesia e o videoarte se fundem em trabalhos pluralistas que surgem da experimentação com vídeo e poesia sonora, a partir da gravação de leituras e performances, para citar apenas exemplo. Poetas brasileiros contemporâneos têm produzido vídeos que se inserem ao mesmo tempo na categoria das artes visuais e também poderiam ser interpretados enquanto poemas. (p. 30)

Alguns exemplos de artistas/obras citados no texto são: Andre Sheik (Eu sou mais do que aparento), Laura Erber (História antiga), Renato Rezende (Ímpar; Tango), Domingos Guimaraens (Gema) e o próprio Ricardo Domeneck (Garganta com texto). Entre os segundos, Laercio Redondo (Eu não te amo mais), Brigida Baltar (Quando fui carpa e quase virei dragão; Algumas Perguntas), Rivane Neuenschwander (Sopro), Cao Guimaraes (Da janela do meu quarto), Tunga (Medula; Quimera), Katia Maciel (Meio cheio, meio vazio), Andre Parente (Estereoscopia) e Helena Trindade (A carta roubada).

O texto destaca um importante aspecto de aproximação entre o videoarte e a poesia: trata-se do pensamento/filosofia, pois ambas as linguagens sustentam-se por um forte caráter conceitual. “[...] a poesia se renova no Modernismo apostando todas suas fichas no pensamento e/ou no poema que discorre sobre si mesmo ou seu meio (a linguagem).” (p.34) Assim é o videoarte (conceitual e metalinguístico) e é nesse mesmo contexto que surge, provocando potencialização de discursos artísticos (1970 também é o período de surgimento da Poesia Marginal com seu forte cunho contracultural, anedótico e anti-intelectual).

Em décadas posteriores, “[...] novos poetas de extração concretista, como Arnaldo Antunes e André Vallias, além dos próprios Campos, desenvolveram uma série de poemas visuais e vídeo poesias em computador, buscando sempre uma isomorfia entre palavra e imagem.” (p.40)

Por fim, destaco mais um trecho do texto de Renato Rezende e Katia Maciel: “Mais distanciada da tradição concretista, a videoarte parece ser capaz de resgatar a poesia – em um campo ampliado – de uma forma mais contemporânea, eliminando preceitos e dogmas (como o isomofirsmo) que ainda encarceram a poesia intersemiótica produzida a partir do campo da palavra.” (p.47)