23.1.15

Literatura e fotografia: um processo de intersemiose na obra de João Cabral de Melo Neto

CUNHA, Luiz Manoel Castro da. Literatura e fotografia: um processo de intersemiose na obra de João Cabral de Melo Neto. ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE LETRAS E ARTES, 2, 2004, Campos dos Goytacazes. Anais eletrônicos... Campos dos Goytacazes: Essentia Editora, 2004. Disponível AQUI
O texto de Luiz Manoel Castro da Cunha integra a sua dissertação, a qual discute o processo de adaptação de linguagens verbais para não-verbais (literatura e fotografia), partindo do pressuposto de que ambas não funcionam enquanto mera ilustração da outra, porém são complementares. Com isso enfoca o processo de tradução intersemiótica entre as obras “O cão sem plumas” (1984) de João Cabral de Melo Neto e a fotografia de Maureen Bisilliat.
O autor introduz seu artigo considerando que as linguagens artísticas não são estanques e isoladas, pois processos híbridos têm se intensificado desde a Revolução Industrial. A invenção da fotografia impôs mudanças no meio artístico durante o início do século XX, algumas vanguardas começaram a pensar o mundo de outras maneiras – caso do cubismo e surrealismo.
Maureen Bissiliat
Acompanhando tais mudanças, a literatura se submeteu a inter-relações nas artes visuais. Para isso, no entanto, o autor ressalta um processo de transposição criativa, onde na fotografia, por exemplo, “a imagem fotográfica não serve apenas para ilustrar as palavras do escritor. Elas, de alguma maneira, dialogam com o texto, e essa construção não se dá de maneira aleatória.” (p.2)
Esse processo de transposição é sinônimo do que Roman Jakobson chama de Tradução Intersemiótica – nesse sentido a poesia se destaca na quantidade de diálogos que estabelece com outras linguagens artísticas. Lembra-se, inclusive, que os primeiros poemas da literatura ocidental eram cantados e dançados, configurando, assim, natural abertura ao gestual (performático).


Maureen Bissiliat
Ainda sobre transposições e traduções, Haroldo de Campos, em 1992, defendeu a teoria da recriação, no sentido de que o processo tradutório de uma linguagem a outra deve ser acompanhado de um leitura crítica da obra original. Desse modo, na tradução criativa o resultado será uma espécie de releitura e não estará totalmente dissociado de resquícios do original que a motivou.
Compreender esse conceito de intersemiose e tradução criativa reforça a ideia de complementariedade entre as linguagens, ao invés da sobreposição entre elas. “Há imagens que não podem ser substituídas por mil palavras, da mesma forma que elas não podem substituir a informação verbal. Elas nos atingem por caminhos diferentes e, exatamente por isso, se complementam tão bem. A palavra é racional, dissertativa, prolixa. A imagem, emocional, sintética, direta. A palavra pode expor com clareza uma idéia, conceituar com precisão. A imagem é de natureza mais onírica (incluindo-se aí os pesadelos), mas ilógica e nebulosa. É insubstituível para transmitir, num relance, toda a emoção de um evento, mas falha ao tentar analisá-lo.” (KUBRUSLY, 1997, p. 77 apud CUNHA, 2004, p. 3)
Destaca-se que as diferenças entre poesia e fotografia equivale às particularidades entre a comunicação verbal e a não-verbal, a imagem mental e a imagem visual, uma apreensão conceitual e uma percepção direta.  Assim, de acordo com o autor, há dificuldades (ou até mesmo impossibilidades) de transmitir uma mesma mensagem de um sistema de signos para outro; de tal modo “[...] a tradução intersemiótica ou transmutação, isto é, a passagem de uma poética verbal para um sistema não-verbal não se estabelece a partir de uma relação de equivalência direta.” (p.3)
Com base nas considerações mencionadas, o autor conclui que “a equivalência entre o poema e fotos só pode ser tomada como uma proposta que obteve sucesso se considerarmos que ela ocorreu na medida em que a linguagem visual processou uma tradução criativa do poema, fazendo com que cada uma agregasse um valor diferencial à obra literário fotográfica.” (p.4)

Referência
KUBRUSLY, Cláudio. O que é fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1991.

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